Nos dias atuais, a Inteligência Artificial (IA) está presente nas mais diversas áreas da sociedade e economia, sendo a mais importante transformação científica e tecnológica do século XXI e os seus benefícios são indiscutíveis.
Geralmente, o assunto costuma ser debatido com opiniões polarizadas. De um lado estão os otimistas acríticos com o uso da inteligência artificial e do outro, os catastrofistas, que temem o controle total dos humanos pelos algoritmos.
Alguns exemplos da aplicação da IA estão em diagnósticos médicos, prevenção de fraudes, análises de crédito, sistemas de vigilância, na indústria 4.0, em pesquisas, e outras milhares de atividades e setores.
Entretanto, os riscos que a tecnologia pode apresentar não são poucos. Perda de privacidade do cidadão, o viés (discriminação contra indivíduos ou grupos com base no uso inadequado de certos traços), o potencial de substituir profissionais no mercado de trabalho e o uso de armas letais autônomas são alguns deles.
Dora Kaufman, autora de “Desmistificando a inteligência artificial”, privilegia o conhecimento científico sobre o tema, aquilatando os benefícios e alertando sobre os riscos reais que a tecnologia apresenta e como aplacá-los.
A economista, professora do programa Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC de São Paulo, reuniu os artigos que publicou em sua coluna, na revista “Época Negócios”. Os textos, produzidos por Kaufman entre junho de 2019 e abril de 2022, foram agrupados em 12 blocos temáticos: fundamentos e lógica; mercado de trabalho; justiça e ética; o problema do viés; a economia de dados e o poder das big techs; iniciativas regulatórias; saúde, combate à covid-19; clima; cultura; interação humano-máquina e cenários futuros.
A autora, ao examinar os impactos da IA em todos esses campos, apresenta informações ricas sobre o cenário digital no mundo e no Brasil. Ela estabelece as conexões necessárias entre as ciências exatas e as humanas, abordando com um olhar multidisciplinar, as contradições implicadas nos avanços da IA se manifestam.
À exemplo, no uso da IA para enfrentar as mudanças climáticas. Se, por um lado, a inteligência artificial tem papel importante no monitoramento do aquecimento global, na modelagem dos seus possíveis impactos, no desenvolvimento de novos materiais com uso reduzido de carbono, por outro lado, a emissão de carbono desses mesmos sistemas inteligentes está longe de ser mínima.
Outra contradição está na esfera do trabalho, onde acontece um dos seus impactos mais maléficos. Adotar as novas tecnologias gera, de maneira simultânea, desemprego e oferta de vagas em aberto por falta de candidatos qualificados; maior produtividade e desequilíbrio salarial, com salários crescentes para funções qualificadas e decrescentes para as de menor qualificação.
De acordo com Rob Toews, colunista da revista “Forbes”, em função do aumento do volume de dados utilizado, a quantidade de energia consumida para rodar os modelos de IA teve aumento de 300 mil vezes entre 2012 e 2018.
A IA obteve avanço considerável a partir de 2010, com o desenvolvimento da técnica de aprendizado de máquina nomeada de “redes neurais de aprendizado profundo” (deep learning), inspirada no funcionamento do cérebro biológico.
Os modelos de redes neurais, que permeiam a maior parte das aplicações atuais, possuem várias camadas de processamento compostas de neurônios artificiais, que permitem que as máquinas “aprendam” continuamente com os dados, no lugar de executar tarefas a partir de equações pré definidas, como na programação tradicional.
Por fim, a despeito do desenvolvimento acelerado, estamos apenas no início dessa tecnologia, que depende de como o ser humano a percebe e a usa, como qualquer outra. Dessa forma, trazendo à tona as questões éticas e filosóficas envolvidas, Kaufman defende a formulação de diretrizes e regulamentações, ainda frágeis, e, sobretudo, a conscientização da sociedade sobre a lógica, as aplicações e a responsabilidade acerca dessas tecnologias. É o que ela faz, com clareza e precisão, levando-nos a refletir criticamente sobre as mudanças que hoje moldam nossas vidas.
Fonte: Valor Econômico